Estamos vendo o desinflar da bolha imobiliária? – O pequeno investidor

http://www.opequenoinvestidor.com.br/2015/03/bolha-imobiliaria-inflacao-desinflar/

Começou o ano de 2015 e as notícias sobre a bolha imobiliária continuam tão ruins quanto em 2014. Na verdade, começaram piores. Até 2013, a imprensa – muito financiada pela publicidade paga pelas incorporadoras –, tratava como alarmistas os que falavam em ilusão dos preços. Agora, a própria imprensa admite que o preço dos imóveis pode cair bastante ao longo do ano.

Imprensa já admite queda no valor real dos imóveis

Observe o seguinte trecho de matéria publicada no portal da Veja:

O que era inimaginável cinco anos atrás aconteceu: os preços dos imóveis estão caindo. Apartamentos recém-lançados podem chegar ao final deste ano valendo até 3% menos do valem agora, segundo análise da a consultoria J.P.Morgan. A onda de desvalorização também impactará os imóveis antigos.

(…)

Dados de dezembro já apontavam para um cenário de desvalorização. Das 25 cidades pesquisadas pelo índice FipeZap, 20 delas tiveram percentuais de aumento abaixo da inflação. O IPCA registrado naquele mês foi de 0,75%. Com isso, as únicas exceções onde os preços subiram igual ou acima da inflação foram Recife (1,5%) , Vitória (0,8%), Goiânia (0,79%) , São Caetano (0,77%) e Vila Velha (0,75%). Todas as demais cidades pesquisadas tiveram resultados abaixo desse patamar. Rio de Janeiro registrou mero 0,43% e São Paulo um pífio 0,35%. Na prática, reajustes abaixo da inflação configuram queda real de preços.

Obviamente, a matéria afasta o risco de uma bolha imobiliária, apelando para o velho argumento de sempre: “não se trata do estouro de uma bolha, pois as condições brasileiras são muito diferentes das vividas pelos americanos na crise de 2008”. Como sempre, o argumento é errado, pois parte do pressuposto de que toda bolha imobiliária será como a dos americanos, ou estourará rapidamente como elas.

Repito o que já disse antes sobre o conceito de bolha: “uma bolha ocorre quando o preço de um ativo se eleva muito além de seu valor justo”. Isso pode ocorrer por vários motivos. Na Holanda do século XVII, por exemplo, ocorreu uma crise financeira que arrastou até alguém como o gênio Isaac Newton porque as pessoas se empolgaram com… bulbos de tulipas! É, as pessoas são irracionais assim. E não houve nada como “a bolha imobiliária americana” pra explicar a mania das tulipas holandesas, mas mesmo assim houve uma bolha por lá. Bolha Imobiliária Brasileira

Do mesmo modo, mesmo sem haver um subprime por aqui, não há como descartar a existência de uma bolha. Pelo contrário. E também há outros elementos que permitem traçar alguns paralelos com a bolha americana. Assim como nos EUA, também tivemos crédito fácil. Assim como lá, nossa economia passou por um boom. Assim como lá, as pessoas acharam que o preço dos imóveis subiriam eternamente. Assim como lá, os juros do mercado imobiliário caíram muito. Só que, agora, nenhum desses elementos existe mais. Os juros estão subindo, a economia está em frangalhos, o crédito não está mais fácil.

Mas há motivos para crer que nossa bolha pode ser teimosa. É que temos uma inflação muito mais alta que a americana. Pra você ter ideia, enquanto temos uma inflação girando em torno de 6% ao ano nos últimos anos, e batendo 7% nos últimos 12 meses, lá a média gira em torno de 3,0% e, quando bate em 4,0%, está alta. Hoje, está em 0,80% no panorama dos últimos 12 meses.

E isso tem um grande reflexo no modo como bolhas são percebidas. Lá, no ápice da crise, o preço médio dos imóveis caiu 30%. Por aqui, como a inflação é alta, basta que o preço dos imóveis se estabilize ao longo de 4 ou 5 anos para que a mesma perda real no preço dos imóveis se verifique. 6% de inflação ao ano, por exemplo, equivalem a 33,82% ao ano em cinco anos. Se os preços dos imóveis permanecerem estáveis por cinco anos, o valor real deles cairia em mais de 30% E nem é preciso que “haja uma bolha como a americana” para que isso aconteça. Já aconteceu ao longo do último ano.

Fipe-zap já mostra que preço dos imóveis mal tem acompanhado inflação

Acha difícil que isso aconteça? Pois já pode estar acontecendo. Veja a evolução dos preços na cidade de Brasília ao longo dos últimos anos:

Como você pode ver, de outubro de 2010 a janeiro de 2015, não houve valorização real nos imóveis da capital. Os preços avançaram rapidamente até meados de 2012 e, de lá pra cá, estacionaram, dando margem para que agora, em fevereiro de 2015, a inflação medida pelo IPCA empatasse com os rendimentos nominais. Ou seja, quem “investiu” em imóvel não teve ganho real. E os últimos 12 meses foram particularmente dolorosos: “valorização” de apenas +0,2%, ou desvalorização real de mais de 6%.

E isso tem acontecido em outras cidades. Brasília é só um exemplo. O índice FipeZap ampliado, que pega a evolução dos preços no conjunto das cidades examinadas, já mostra desvalorização real em quase 1%, sem considerar o IPCA de fevereiro, que também foi superior a 1%. Até no Rio de Janeiro, cidade que – diziam – aguentaria até as Olimpíadas, já começou a sentir esse efeito,

Mas acredito que as coisas podem piorar, porque nossa economia ainda vai começar a enfrentar os efeitos colaterais mais fortes da alta da Selic. Juros em alta implicam dificuldades econômicas, crescimento em baixa e, provavelmente, aumento no desemprego. Sem emprego, as pessoas não têm dinheiro para pagar pelos financiamentos dos imóveis que contraíram ao longo dos últimos anos. Esse efeito já tem sido percebido inclusive no mercado de locação de imóveis: o valor dos aluguéis já está sendo reajustado em um patamar inferior ao da inflação.

E não há luz no fim do túnel. O Brasil continua com os mesmos problemas estruturais de sempre, com baixa produtividade, excesso de custos no sistema produtivo, baixo retorno pelos impostos pagos, sistema tributário completamente insano.

Com tudo isso, não vejo saída senão o ajuste do preço dos imóveis ao real valor deles. Se isso vai se dar de maneira brusca ou lenta, não sei. Por enquanto, está sendo lenta. Mas não é isso o que define uma bolha, e sim o descompasso dos preços. Já está mais do que evidente que isso aconteceu. É chegada a hora de corrigir os excessos no preço dos imóveis!.